Uma das coisas mais perversas num plágio é ser manhoso pois, com sorte, o plagiador pode fingir com sucesso que é apenas um acidente. Nos transportes públicos acontece muito, com os carteiristas: quando topamos que nos estão a meter a mão no bolso fazem sempre um ar inocente. «Foi sem querer, ó amigo.»
E os desculpadores dos plágios, que pelos vistos abundam nesta chafarica, mais
os próprios plagiadores, depois sugerem sibilinos: «Toda a gente rouba, amigo.»
Esta do «toda a gente rouba» é a mais bera das tretas. É que terraplana tudo:
um miúdo que surripia uma chiclete passa a ser igual ao escroque que abafa as
economias a milhares de emigrantes.
A mim já aconteceu um par de vezes: fazer um comentário que acho espirituoso e,
depois, descobrir (ser-me chamado à atenção) que alguém chegou lá uma hora
antes.
Por isso mesmo o plágio – quando é mesmo plágio – é de um oportunismo sórdido.
De facto, as coincidências existem! Só que estas, ao contrário dos plágios,
caracterizam-se por serem involuntárias.
Por exemplo, há assuntos que pedem respostas inspiradas bastante próximas.
Quando foi do ataque ao Charlie Hebdo, muitos cartoonistas mundo fora fizeram
um desenho onde mostravam que a pena era mais forte que a espada, ou troçavam
dos terroristas retratando-os em pânico com um desenho.
Não se plagiaram. Ocorreu-lhes, perante um mesmo problema, uma resposta
parecida.
Fernando Pessoa escreveu, em Lisboa, que era outro. Décadas depois, em Nova
Iorque, Woody Allen escreveu que gostaria de ser outro. Antes, Rimbaud
escrevera que «eu é um outro». São variantes à volta do mesmo. São jogos
lógicos. Tal como as posições do Kamasutra, se as pessoas tiverem tempo nas
mãos em qualquer parte do mundo chegam lá, porque a combinatória erótica entre
dois corpos é como o cubo de Rubik – só que com mais graça.
Até nos livros. É comum terem ideias ou fórmulas próximas. O soez é quando um
faz corta-e-cola do outro. O plagiador aposta na nossa ignorância, mas ele sabe
que copiou. Sabe que está a reclamar um mérito que não é seu.
Não tem mal que o carteiro de Pablo Neruda use, com a autorização deste, poemas
de Neruda para impressionar a namorada. Um bocadinho mais chato seria se fosse
ele, todo lampeiro, a ir receber o Nobel e o respectivo cheque.
Num teste de Matemática, não tem mal se os alunos chegarem ao mesmo resultado.
Só que, no meio dos que chegaram lá pela própria cabeça, há sempre um sonsinho
que espreita para o lado.
Há anos, um fulano copiou descaradamente um ensaio meu. Passagens inteiras. Não
fiz um escândalo, estas manchas não devem ficar para sempre, mas comuniquei a
um membro do dito grémio, para que tratassem interinamente do assunto. Ficaram
em pânico: não queriam queimar as mãos com o berbicacho. Eu que escrevesse um
texto a queixar-me. Isto depois de eu ter feito o que me cabia: enviara
passagens lado a lado para compararem.
Por acaso descobri o plágio porque, num jornal online, vinha em destaque uma
citação desse senhor. Eu achei-a tão linda e tão fofinha, com uma melopeia tão
maneirinha, que murmurei: «Esta parece minha.» E era.
Há aqui um pormenor com graça: um tipo que há décadas me tem um pó dos diabos
escreveu (eu guardo estas coisas) que «finalmente» alguém tinha escrito uma
coisa de jeito sobre o Vilhena. Como o que ele elogiou era meu (mas fê-lo por
não saber que era meu), espero um dia ter oportunidade para lhe agradecer.
E os que acham que os plágios não têm importância são uns finórios. Se
vivêssemos numa comunidade onde não houvesse rivalidades, prémios, benefícios
vários, a autoria poderia diluir-se. Mas imaginem que, à custa do vosso
trabalho, alguém vos fica com tudo. E vos esbulha e fica com o vosso emprego e,
quando vocês protestam, são postos na rua e tratados como lixo.
Ao menos o Cyrano de Bergerac, na peça homónima, ofereceu os seus versos e
emprestou voluntariamente a sua voz ao moço que com ele disputava o coração da
amada. Ainda assim, lixou-se.
Já agora, o homem que me plagiou o dito ensaio (é de trinta e tal anos) tem até
às 24h de quinta-feira para me enviar cinco mil euros.
(Estou a brincar, a chantagem é um vício ainda mais triste.)
Gosto muito das passagens em que escreve que "há assuntos que pedem respostas inspiradas bastante próximas" e que "o plagiador aposta na nossa ignorância, mas ele sabe que copiou.". Faz-me pensar que a linha tênue entre o plágio e a inspiração, na verdade não é assim tão frágil - e nem um pouco inocente.
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