sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Sumário (um tipo de) da aula 5 (20/10)

1. Nuno e os vendedores agressivos 

Tivemos uma magnífica apresentação pelo Nuno de um tipo de edição altamente lucrativo e que, ao contrário da literatura, implica fiscalizações e hologações vários: o negócio do livro educativo. O sonho de Karl Valentin quando perguntou se o teatro não poderia ser obrigatório. 

Obrigado ao Nuno. Se ele quiser, fará neste blog um sumário dos pontos centrais da sua comunicação.

2. O espaço nobre devia ser para o pobre, como nas tevês

Falámos de como a equipa pode queimar lugares que seriam melhor aproveitados se dirigidos para fora, não para dentro. Há quem goste de pregar aos convertidos - e assim enche salas - mas parece-me que falha o alvo. 

As anedotas (verdadeiras) de pessoas importantes ocuparem lugares que podiam estar para agentes de divulgação ou apreciação mais pertinentes: o caso dos lugares nas filas da frente guardados para patronos que nunca vão (contaram-me que assim foi na Casa da Música no Porto), o caso do diálogo real (até certo ponto) em Frankfurt 1997que tive com o (grande) escritor Mário de Carvalho: 

«Rui, vens ver o Zé?» (Subtexto: a conferência principal de Cardoso Pires na microinstalação de Portugal, num pátio.

«Não.»

«Não gostas do Zé?!» (Subtexto: como podes? julgava que eras só jovem, não inteiramente estúpido.)

«Gosto. Mas a sala é tão pequena, que quero deixar o lugar para um tradutor sueco.» (subtexto: Admiro-o imenso. É o meu escritor contemporâneo favorito. Por isso mesmo, sacrifico-me e não vou lá ver, embora ser visto - os pares do reino sorrindo todos uns para os outros, a ocupar o cubo cubículo todo - me pudesse trazer vantagens.

José Cardoso Pires era a figura de destaque na comitiva portuguesa. Durante quarenta anos fora o Escritor. Em 1982, o seu romance Balada da Praia dos Cães ganhou o prémio da APE, batendo Memorial do Convento de José Saramago. Qual deles é melhor? Não sei. Mas estava na cara que o júri se inclinaria emocionalmente para o Zé, não aquele outro Zé, na época visto como inadequado intruso.

3. A dinâmina de vendas 

O Nuno não trouxe os seus livros que, suspeito, para ele são mesmo os seus livros. Com pudor, achou inadequado. Mas todos os momentos são bons para fazer um sales pitch, ter um gesto de promoção

Pergunta: quando, como e onde se faz uma ação de promoção?

Resposta da Catarina: num lançamento, num encontro, numa livraria...

Resposta do Cristiano: Quando se encontra um jornalista. 

Ambas estão certas. Mas a resposta certa é: sempre. Ou melhor: sempre que houver uma oportunidade

Por vezes, pormo-nos a vender um produto pode ser inconveniente. Vou buscar uma moça moça a casa e, quando me apresenta a mãe, começar a vender-lhe um relógio talvez não seja uma boa ideia. 

Por outro lado, a revolução dos tupperwares nos anos 60 começou quando, nos Estados Unidos, pacatas donas de casa se tornaram vendedoras, à hora do chá e dos bolinhos, junto das amigas.  

Outra conversa com a Catarina: Quem deve ir nestas deslocações culturais, tipo a que fiz a Ancara? 

Dei uma lista de nomes, a Catarina escolheu. Mas com que critérios? Não se pode dizer que seja objetivo. Usamos o gosto, esperemos que educado.

4. Afinar a comunicação

4.1. Ontem no início da aula pus uma canção chamada Please don't go e escrevi no quadro: Aula em homenagem a Liz Truss. A canção alguns conhecem de uma nova série da Netflix sobre uma figura muito diferente do grande leitor Hannibal Lecter. Liz Truss era a notícia do dia: ao fim de sete semanas deixou de ser primeira-ministra. Quem conhece ambos os referentes, teria um certo tipo de prazer estético. O resto ficaria à nora. 

Não se trata de ignorância, apenas de ter os referentes. 

4.2. A importância do follow up - o lembrete, o dar seguimento, o acompanhar a mensagem até ao seu destino final - nunca é demasiado sublinhada. Muitas coisas falham devido às consequências que o império espanho descobriu á sua custa: Se obedece pero no se cumple, diz-se que sim, vou já fazer, mas depois não se faz. Nem sempre é por incompetência. Dei exemplos com tipógrafos e responsáveis pela distribuição. 

Se eu falar com um colega finlandês e ele não entender nada, a falha de comunicação pode não ser minha nem dele nem de qualquer ruído. Posso simplesmente estar a usar o código certo para outros interlocutores mas o errado para ele. 

4.1 (sim, de novo). Hoje, no Facebook, vi isto da Ryanair:

Bem esgalhado. Deem um aumento à rapaziada do Marketing & Comunicação. E, sobretudo, bom sentido timing. 

 Por falar em timing, depois há azares destes, mais comuns do que julgamos: 



5. Masterclass de Tony Montana

«First you get the money...» 

O mundo editorial não está fora do poder. É um sistema semi-autónomo mas, cada vez mais, interdependente. Os dois autores portugueses mais vendidos são omnipresentes na televisão e nos jornais. E por que motivo o único que poderia ser profissional não larga o ouço diário que tem na RTP? 

Talvez por uma razão semelhante à que faz com que a Coca-Cola continue a gastar milhões em publicididade, embora seja a marca mais reconhecida no mundo.

Muitos jornalistas pensavam que sobem na vida e na hierarquia social ao abandonar os jornais onde trabalham para se dedicarem a algo mais nobre, ser escritores. Geralmente passam de cavalo para burro. Perdem o espaço publicitário e de poder, viram frágeis e descobrem - como acontece aos ricos que perdem a fortuna - que afinal os amigos só o eram enquanto eles tinham interesse

Quando descobrem isso, correm para o jornal a implorar uma coluna, nem que seja uma crónica semanal. Nem sempre conseguem. E descobrem que, se estiverem fora da empresa, não é assim tão bem paga. 

6. O contrato do desenhador

De todas as entradas do programa, esta é a mais misteriosa, creio. Mas é um segredo de Polichinelo. Gosto de recorrer a estes filmes, porque acredito no poder da arte de sintetizar ideias complexas de forma simples. 

O filme de Peter Greenway com o mesmo nome é uma história de enganos: no auge do barroco, o protagonista é um homem de muitos talentos. Um sedutor, um bonitão, um famoso amante, um libertino cheio de autoconfiança que, embora não seja nobre, ascendeu por si só. Em contrapartida, os homens da casa que encontra são nobres pretensiosos, com perucas ridículas e cobertos de maquilhagem. No contrato, o protagonista consegue uma pequena fortuna pelos desenhos que vai fazer da casa senhorial, além de incluir o dormir com a esposa do proprietário. Isso, todavia, não lhe chega. Nos dias seguintes e, sobretudo, nas noites, marcha tudo. 

Até que uma noite ele é arrastado para o jardim. Ele ainda pensa que o marido enganado está furioso. Descobre que afinal o enganado era ele. Não foi chamado pelos seus dotes artísticos, apenas como animal de cobrição. 

8. Crianças, não comprem drogas

Isso leva-nos para o último ponto da aula. Em O Amor Acontece, Bill é uma estrela pop decadente com um sentimento de humor bem maroto. E parte a loiça numa entrevista ao vivo numa qualquer MTV. O conselho que dá - «Tornem-se uma estrela pop e dar-vo-las-ão de graça!» - é certeiro. 

Álvaro Magalhães é um pacato escritor de literatura infantil com quase cem livros publicados ao longo de quarenta anos de carreira. Mas não pode competir com Madonna, que nunca tinha escrito um livro mas o seu vendeu milhões e foi traduzido num zilião de línguas, nem com Bark Obama...  

Uma pessoa famosa tem sempre vantagens. Se escrever em inglês (o novo centro do mundo cultural desde os anos 80) ainda mais. Agora, os grandes chefes são o Gordon Ramsay, a Nigella. Lobo Antunes, eterno candidato ao Nobel (e merecedor, na minha opinião) ficou todo contente por aparecer no programa do americano  Anthony Bourdain. 

Se o mais nobre da literatura é trabalhar a língua, fazer com ela coisas que não eram possíveis noutras, quanto mais um escritor ou poeta trabalhar a língua mais problemas vai colocar à tradução. Aí o tradutor vai ter de fazer escolhas e sacrificar peças: o cavalo ou o bispo? O conteúdo ou a forma? A coisa complica quando com Hjelsmlev aprendemos que a forma tem conteúdo, o conteúdo tem forma, não são compartimentos estanques. Pet Shop Boys é um exemplo. 

Ora, como vivemos num tempo em que ser traduzido dá points, e escritores mundo fora não escrevem para seu povo (que muitas vezes nem lê), o ditado Tradutore, traditore passa a ser Autore, traditore

Ele é o escritor de Zanzibar que, na verdade, dá aulas em Bristol há décadas. Ele é o escritor que, agora que tem alguma internacionalização, cada vez mais facilita a vida ao tradutor (se conscientemente ou não, pouco importa), ele é o escritor que insistia nas minúsculas até descobrir que isso lhe interditava a Alemanha... O inglês virou o centro - científico, literário, etc. - de distribuição. A italiana Elena Ferrante chegou ao mundo através da tradução para novaiorquês. Em Portugal, lemos livros japoneses traduzidos do inglês. A poesia de uma moça de 22 anos que fez o poema de louvor na tomada de posse de Joe Biden percorre mundo. Em março de 2021, o poema de Amanda Gorman estava traduzido (em livro, com letras grandonas) em dezassete línguas. E até é notícia pelos escândalos de tradução. Calculo que hoje esteja em quarenta, ou mais. Antes, segundo consta, a jovem lera poemas seus em se~sessões pequenas, numa delas estava a esposa do futuro presidente, gostou, precisavam de alguém, ela lembrou-se da moça. O resto é History. 

Sophia ou Herberto Hélder não tiveram tanta sorte. Clarice Lispector só recentemente foi traduzida para inglês, tendo sido um sucesso da crítica mais que das vendas, até porque não pode fazer campanhas de promoção. 

"See? They got the woman."

 

 

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  A Greta . Ainda não fui lá, embora nem seja longe de onde moro.