A minha resposta curta: não.
Entendo que, além das finalidades e dos
suportes diversos, os livros também apresentam — ou propiciam — experiências
variadas. Ao falar de experiências, refiro-me não apenas ao ato da leitura em
si, mas ao modo como temos acesso às informações que os livros contêm. Diferentes
expectativas sobre o propósito dessas informações justificam experiências
também diferentes.
O utilizador do livro que queira somente uma
resposta objetiva a questão qualquer espera encontrá-la de forma igualmente objetiva
— isto é, rápida. Não se imagina, portanto, que lhe seja exigida uma leitura
contínua, linear, longa, para encontrar a informação que lhe interessa.
Enciclopédias (inclusive a Britânica) costumavam ser obras em formato de livro
e tinham por propósito oferecer essa resposta objetiva, rápida, pontual. Para
tanto, eram organizadas em um sistema de referências que tentava superar a
natural linearidade do formato do livro impresso e das restrições impostas pelo
papel.
Mas essa dificuldade — e inevitável luta
contra a linearidade — só fazia sentido enquanto o papel era o único suporte à
informação possível. Com o desenvolvimento e a popularização das tecnologias
digitais, cabe questionar se ainda faz sentido uma enciclopédia ser produzida
em formato de livro, em papel impresso. Com a interface adequada, a informação
pontual de um verbete torna-se uma entrada de um banco de dados potencialmente
infinito — e a busca e o acesso ao seu conteúdo podem ser realizados de modo
randômico, cada vez menos linear. Outro ganho que a tecnologia entrega à lógica
enciclopédica é a possibilidade de constante (e fácil, barata) atualização
desse conteúdo dos verbetes (sem falar das interconexões entre si e com outras
fontes de informação externas à enciclopédia).
Essa tendência explica o sucesso de uma
plataforma como a Wikipedia, por exemplo. É mais rápido, barato e eficiente
desenvolver uma enciclopédia totalmente digital, aberta, independente do papel
e da linearidade.
Por outro lado, existem as experiências de
leitura que são dependentes da linearidade. Nos romances, a linearidade é a
experiência desejável. Sim, é verdade que cabem algumas questões sobre essa
afirmação. Um romance escrito pode até ser apresentado — e lido — em formatos
distintos do livro impresso. Um site, um e-book, um audiobook: todos dão
suporte ao texto de um romance sem depender do papel — e da experiência tátil
de folhear o papel. Para alguns, isso será uma perda. Para outros, uma vantagem
— ou só uma nova experiência. Romances em meio digital podem ser mais
acessíveis: mais baratos para aquisição, mais leves para compartilhamento. Em
meio impresso, podem ser (com perdão dos trocadilhos) mais “românticos”, mais
literalmente palpáveis.
De qualquer maneira, enfim, o que defendo é que, naquela oposição fundamental (ainda que reducionista) entre
linearidade e objetividade, romances seguirão longe de serem fonte de
informação objetiva. Seja por qual meio for, romances tendem a ser trilhas a ser
percorridas passo a passo. Histórias podem ser contadas em vários formatos, mas
o que nos dá gosto em ouvi-las é a particularidade de cada um deles. A
velocidade, neste caso, não é uma virtude. O tempo é o da
apreciação da leitura como fonte de perguntas, e não como repositório de
respostas. Diferente de uma enciclopédia, apesar da
digitalização da vida, um romance seguirá sempre sendo um livro.
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