terça-feira, 27 de dezembro de 2022

5.3 Um romance é igual à Enciclopédia Britânica? [versão revisada após edição e sugestões de Ana Bessa]

A minha resposta curta: não.

Entendo que, além das finalidades e dos suportes diversos, os livros também apresentam — ou propiciam — experiências variadas. Ao falar de experiências, refiro-me não apenas ao ato da leitura em si, mas ao modo como temos acesso às informações que os livros contêm. Diferentes expectativas sobre o propósito dessas informações justificam experiências também diferentes.

O utilizador do livro que queira somente uma resposta objetiva a questão qualquer espera encontrá-la de forma igualmente objetiva — isto é, rápida. Não se imagina, portanto, que lhe seja exigida uma leitura contínua, linear, longa, para encontrar a informação que lhe interessa. Enciclopédias (inclusive a Britânica) costumavam ser obras em formato de livro e tinham por propósito oferecer essa resposta objetiva, rápida, pontual. Para tanto, eram organizadas em um sistema de referências que tentava superar a natural linearidade do formato do livro impresso e das restrições impostas pelo papel.

Mas essa dificuldade — e inevitável luta contra a linearidade — só fazia sentido enquanto o papel era o único suporte à informação possível. Com o desenvolvimento e a popularização das tecnologias digitais, cabe questionar se ainda faz sentido uma enciclopédia ser produzida em formato de livro, em papel impresso. Com a interface adequada, a informação pontual de um verbete torna-se uma entrada de um banco de dados potencialmente infinito — e a busca e o acesso ao seu conteúdo podem ser realizados de modo randômico, cada vez menos linear. Outro ganho que a tecnologia entrega à lógica enciclopédica é a possibilidade de constante (e fácil, barata) atualização desse conteúdo dos verbetes (sem falar das interconexões entre si e com outras fontes de informação externas à enciclopédia).

Essa tendência explica o sucesso de uma plataforma como a Wikipedia, por exemplo. É mais rápido, barato e eficiente desenvolver uma enciclopédia totalmente digital, aberta, independente do papel e da linearidade.

Por outro lado, existem as experiências de leitura que são dependentes da linearidade. Nos romances, a linearidade é a experiência desejável. Sim, é verdade que cabem algumas questões sobre essa afirmação. Um romance escrito pode até ser apresentado — e lido — em formatos distintos do livro impresso. Um site, um e-book, um audiobook: todos dão suporte ao texto de um romance sem depender do papel — e da experiência tátil de folhear o papel. Para alguns, isso será uma perda. Para outros, uma vantagem — ou só uma nova experiência. Romances em meio digital podem ser mais acessíveis: mais baratos para aquisição, mais leves para compartilhamento. Em meio impresso, podem ser (com perdão dos trocadilhos) mais “românticos”, mais literalmente palpáveis.

De qualquer maneira, enfim, o que defendo é que, naquela oposição fundamental (ainda que reducionista) entre linearidade e objetividade, romances seguirão longe de serem fonte de informação objetiva. Seja por qual meio for, romances tendem a ser trilhas a ser percorridas passo a passo. Histórias podem ser contadas em vários formatos, mas o que nos dá gosto em ouvi-las é a particularidade de cada um deles. A velocidade, neste caso, não é uma virtude. O tempo é o da apreciação da leitura como fonte de perguntas, e não como repositório de respostas. Diferente de uma enciclopédia, apesar da digitalização da vida, um romance seguirá sempre sendo um livro.


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Uma livraria curiosa

  A Greta . Ainda não fui lá, embora nem seja longe de onde moro.