1. O estado da arte
Quem tem razão? Há critérios para um texto (ou obra de arte) ser bom? (perguntou o João)
A resposta é nim, como a quase tudo. Não, não há critérios, sobretudo em arte. (Definição cínica, mas útil, de arte: arte é aquilo que as pessoas do sistema da arte decidem que é arte.)
Por outro lado, critérios haverá. Não podemos deixar as certezas só para os ignorantes, tal como Descartes achava que «as coisas boas da vida não podem ser só para os burros».
Mesmo sabendo que o nosso juízo é falível (circunstancial, etário, dependendo da nossa formação e personalidade - atrás de uma grande idelogia há uma ainda maior idiossincrasia, digamos), alguns critérios temos de definir.
Mesmo não sabendo o que faz de um texto um bom texto, podemos saber o que faz de um texto um mau texto: nada acrescentar, limitar-se a imitar em pior outros textos, excesso de redundância, inadequação entre as partes e o todo, etc.
2. Carolas e tachos
Um exercício em aula em torno de gírias, usos. Tarefa: explicar à Chiara «carola» e «tacho».
metáfora e metonímia, os dois eixos principais das figuras de estilo
Mesmo não sabendo o que são, sabemos-lhes dar uso.
Metáfora: aproximação entre díspares, até à fusão: a minha Maria tem em comum com uma flor um traço (ambas são muito bonitas) que fará com que eu as confunda tanto... até as fundir.
O sr. Gaio, fundador do Cinanima (Espinho), segundo maior festival de cinema de animação da Europa (talvez do mundo) é um carola, tal como Fernando Lopes Graça e Michel Giacometti quando nos anos 60 recolhiam tradições orais portuguesas em aldeias remotas antes que as bibliotecas com pernas morressem e o seu saber desaparecesse para sempre.
Um carola é, digamos, alguém que se esforça mais do que aquilo para que é pago. Alguém que, eventualmente, preeenche um vazio numa necessidade social, acabando por substituir as instituições no fornecimento de um bem.
3. Pai e Filha
Exercício em aula: uma sinopse, um comentário, uma estruturação. E, ah, dar notas em dois sistemas (0 a 20, 0 a 5).
Em minha defesa, vi milhares de filmes de animação. Fui presidente do júri internacional em 2000 no Cinanima. Tenho experiência, sensibilidade, saber. Isso não faz de mim um sabão, nem sequer um sabonete, tal como não anula as opiniões divergentes. É só um chamar de atenção: «Estes são os meus pergaminhos, mostra-me os seus?»
(Fica o desafio para os mais rigorosos a dar notas: mostrem-me o vosso caixote do lixo.)
Não devia ter dito logo no início que o filme ganhou (graças por acaso ao grande prémio obtido no Cinanima) o Óscar desse ano para curtas-metragens. Não que o Oscar, tal como o Nobel, seja um critério absoluto. É, no entanto, um indício. Nem sempre «o melhor» ganha, mas é raro o que ganha ser mesmo mediocre.
À estrutura do filme poderemos aplicar o já nosso conhecido esquema 1-2-3, tal como ao meme apresentado em aula?
Creio que sim:
1. o Pai despede-se da filha
2. a vida sem o pai
3. o reencontro.
Além de que, como já vimos, o acto 2 divide-se em dois.
2a: a vida sem o pai na fase ascendente (infância, juventude, primeiro amor) até um planalto: bebés.
2b: a vida sem o pai na fase descendente (desde o planalto da maturidade até ao cair da bicicleta)
3: o entrar lago adentro até adormecer.
E, dentro do 3, ou adjacente, uma espécie de Post Scriptum, um remate.
4. Faixa bónus
Este vídeo é uma delícia. Fala da importância do gesto final quando um pianista toca uma peça íntima e comovente.
As respirações num livro têm essa função: o puxar pelas qualidades de um texto, em vez de as abafar.
(Nota pessoal: há uns dez anos, na estreia de uma peça senti um vazio quando os artistas vieram agradecer e sugeri ao encenador que resolvesse o problema. No dia seguinte escolheu uma canção menos conhecida de Frank Sinatra que se adequava à perfeição. Ajudou a deixar um bom sabor no coração do público.)
(Nota 2: no concerto dos Mordomia, início e fim foram – é uma opinião, e de alguém que nesse campo já está desfasado, muito felizes.)
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